“Recessos brancos” já seriam uma vergonha em qualquer ano. Mas, na atual conjuntura, são por demais ultrajantesNão bastasse o vexame que vem passando ao aceitar passivamente os adiamentos do processo de cassação do seu agora ex-presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a Câmara dos Deputados está prestes a protagonizar mais um episódio vergonhoso. A casa pretende fazer votações até o dia 14 e, então, entrar em “recesso branco” até o fim do mês, valendo-se de uma gambiarra para burlar a Constituição Federal.
O texto constitucional só permite a suspensão das atividades entre os dias 18 e 31 de julho quando aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Essa regra existe para evitar que adiamentos na análise da matéria acarretem em atraso ou na aprovação no afogadilho da Lei Orçamentária Anual, que é elaborada tendo a LDO como base. A LDO foi enviada ao Congresso em abril, ainda pelo governo Dilma, e previa superávit primário de 0,1% do PIB; uma meta irreal, que o governo interino de Michel Temer acabou de revisar para um rombo de R$ 143 bilhões, ou 2,1% do PIB.
Mas os parlamentares decidiram repetir manobra já realizada em anos anteriores e, para não precisarem trabalhar nas duas últimas semanas do mês, combinaram com o presidente interino da Câmara, Valdir Maranhão (PP-MA) – também de saída, após a renúncia de Cunha –, para que, mesmo sem o recesso formal, não sejam realizadas sessões plenárias até o início de agosto.
O fato por si já seria uma vergonha em qualquer ano – afinal, não faz sentido que os deputados sejam beneficiados com folgas sem que cumpram com seus deveres constitucionais. Mas, na atual conjuntura, é por demais ultrajante. O recesso branco de julho vem logo na sequência de outras duas semanas sem atividades sob a alegação de que os deputados do Nordeste “precisavam” estar em suas bases durante as festas juninas. Sem falar que, neste ano de eleições municipais, é ingenuidade imaginar que a folga de julho será a última de 2016. Boa parte dos deputados aguarda com ansiedade a chegada do período eleitoral; muitos serão candidatos a prefeito ou serão “grandes eleitores”, apoiando candidatos em suas cidades de origem. É bastante provável que o período eleitoral, que começa em agosto, complique ainda mais o andamento das votações no Congresso Nacional.
Esse cenário é bastante ruim quando se leva em conta a necessidade de se definir rapidamente diretrizes realistas e consistentes com o necessário ajuste fiscal. Além disso, há ainda uma enorme quantidade de assuntos essenciais que precisam da atenção dos deputados e que certamente terão suas votações proteladas no segundo semestre. Dada a quantidade de matérias que precisam ser examinadas ainda neste ano para fazer o país voltar a crescer – isso sem falar na necessidade de aprovação de projetos de combate à corrupção –, o recesso branco e o adiamento da votação da LDO certamente vão complicar o bom andamento da pauta legislativa.
Por essas razões, falta sensibilidade por parte dos deputados em perceber que o recesso branco, neste momento, trará consequências graves para o país. A prática atende única e exclusivamente ao interesse dos parlamentares, desprezando as necessidades da sociedade. É completamente injustificável que passem duas semanas recebendo salários e outras benesses enquanto burlam uma exigência constitucional. E não é razoável que o contribuinte financie seus representantes para que exerçam atividades para as quais não foram eleitos e que não estejam relacionadas à função parlamentar. Neste momento de crise, esperava-se um maior sentimento cívico dos deputados federais.
Fonte: Gazeta do Povo, 11 de julho de 2016; fetraconspar.org.br