A força-tarefa da Operação Lava-Jato prepara-se para resistir à uma ofensiva política encabeçada pelo PMDB para esvaziar as investigações sobre o recebimento de propinas por deputados e senadores no esquema de desvios de recursos descoberto na Petrobras.
A expectativa é que, em se confirmando a hipótese de a presidente Dilma Rousseff deixar o governo pela via do impeachment, o PMDB conduza uma aliança tática com o PT e com a atual oposição para promover alterações legislativas que enfraqueçam o poder de atuação do Ministério Público. O órgão tem a prerrogativa e a exclusividade de oferecer a ação penal. Ou seja, pedir à Justiça a abertura de processo criminal contra pessoas investigadas.
Investigadores ouvidos pelo Valor avaliam que a Lava-Jato está chegando ao ápice do núcleo político que se beneficiou da corrupção na petrolífera, revelando o envolvimento de praticamente todos os partidos, com maior ou menor grau de participação nos delitos apurados. Eles acreditam que a retaliação do Legislativo está em curso e será inevitável.
Já está em tramitação projeto de autoria do deputado Wadih Damous (PT-RJ) que altera a delação premiada e pune responsáveis por vazamentos de informações sob sigilo. O presidente da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu por corrupção e lavagem de dinheiro na Lava-Jato, tratou de dar encaminhamento à proposta que sugere uma ampla reforma do Código de Processo Penal.
Para resistir ao movimento político que busca o esvaziamento ou, ao menos, o "abrandamento" das investigações da Lava-Jato, centrando o foco de atuação apenas nos crimes praticados por petistas, o Ministério Público Federal (MPF) aposta no aprovação do pacote de 10 medidas contra a corrupção que tem como seu principal garoto-propaganda o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa em Curitiba (ver reportagem nesta página).
A ideia é sensibilizar a população sobre o risco de o combate à corrupção no Brasil chegar a um desfecho parecido com o ocorrido na Itália da década de 1990, no período da Operação Mãos Limpas.
Após descobrirem um esquema de corrupção sistêmica envolvendo empresas e várias esferas da administração pública italiana, os investigadores da Mãos Limpas tiveram sua atuação reduzida por um pacote de medidas dos Poderes Legislativo e Executivo que anulou provas e pulverizou a operação.
Presente no evento, o juiz titular da Lava-Jato no Paraná, Sergio Moro, disse que "corrupções endêmicas" como a identificada na Petrobras, envolvendo políticos e empresários, "precisam ser enfrentadas". O magistrado contou com a escolta de 12 agentes de segurança do Tribunal Regional Federal da 3ª Região durante a sua permanência em São Paulo. Até no banheiro o juiz foi acompanhado por dois seguranças.
Ontem, durante palestra realizada em seminário sobre combate à corrupção, em São Paulo, o procurador da República Paulo Roberto Galvão defendeu o pacote de 10 medidas apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) para reduzir a corrupção pela via legislativa.
O integrante da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba defendeu a redução do número de partidos no país. "É necessário diminuir o número de candidatos e partidos para permitir uma melhor fiscalização, que hoje é quase impossível".
Galvão rebateu críticas de que a Operação Lava-Jato teria uma preocupação de caráter ideológico e que estaria perseguindo o PT.
"Nós descobrimos, ao longo da investigação, que a Petrobras era controlada por partidos da base do governo. E quando é que a oposição é beneficiada, dentro deste esquema? Em situações em que ela detinha poder sobre um determinado fato investigado. Quando há destinação [de recursos] para outros partidos que não são da base governista", afirmou.
O procurador também alegou que a legislação penal sobre a prescrição dos crimes acabou beneficiando os partidos que antecederam o PT no governo federal.
"Existe um partido no poder há 13 anos. Os fatos ocorridos nos governos anteriores aconteceram há mais tempo. Então, para condenar alguém por um só crime, a pessoa teria de ter uma pena final prevendo 8 anos de prisão. E, na própria Lava-Jato, salvo engano de minha parte, não tem ninguém condenado a 8 anos por um único crime. Então, isso seria inócuo em termos de condenação", justificou.
O procurador afirmou que o país precisa passar por uma reforma política. "Já é lugar comum que isso precisa ser reformado. Mas existe hoje uma dificuldade muito grande de dizer qual é o melhor modelo a ser adotado. No caso da reforma política, nós [da força-tarefa] identificamos pontos que devem ser mudados, mas sentimos dificuldade de nos alinhar a uma ou outra determinada proposta".
Fonte: Valor Econômico, 30 de março de 2016; fetraconspar.org.br