Em sua primeira greve, os motoristas brasileiros do Uber não cruzaram os braços: ficaram offline. Sem parceiros conectados, conseguir uma corrida ficou mais difícil para os usuários, que tiveram que arcar com tarifas mais caras ao longo do dia. Organizada pelas redes sociais, a greve teve maior apelo nas cidades em que o aplicativo chegou por primeiro, onde houve redução da tarifa no fim do ano passado como estratégia da empresa de assumir o controle do mercado. O movimento mostra que a “nova economia” compartilhada não está livre de velhos desafios, como a pressão por melhores condições de trabalho. Mesmo quando os funcionários se vinculam de forma associativa.


O dilema não é só no Brasil. Em junho do ano passado, uma motorista de São Francisco, nos Estados Unidos – onde o Uber tem sua sede mundial –, conseguiu na justiça o direito de ser reconhecida como funcionária da empresa. A decisão, da Comissão Trabalhista da Califórnia, ordenou que Barbara Ann Berwick fosse indenizada em US$ 4,1 mil (cerca de R$ 15,1 mil, no câmbio atual). Na Flórida, também nos EUA, um motorista que se afastou do trabalho após um acidente chegou a ter o contrato de trabalho reconhecido, em maio do ano passado. Mas a decisão foi revogada, em setembro, em instância superior.


O que se vê são dois movimentos simultâneos, na opinião do coordenador de pós-graduação da Universidade Positivo, Leandro Hhenrique de Souza. De um lado, é parte do jogo de interesses que os motoristas queiram ganhar mais, os usuários queiram pagar pouco e que a empresa reduza seus lucros – e de seus parceiros – em uma estratégia agressiva de assumir o controle do mercado. Mas há também um choque cultural. “As chamadas leis trabalhistas não protegem ele [o motorista], então é uma mudança cultural; no lugar de um FGTS, ele vai ter um plano de previdência privado, tem que se adaptar”, defende.


Essa “mudança de chave” envolve uma nova forma de ver o trabalho, defende Souza: “não é perder o emprego, é ter outra forma de trabalhar”. Para ele, a tendência é de que as próximas gerações vejam o mundo de forma mais compartilhada, o que é sustentável inclusive do ponto de vista ambiental. “Não faz sentido você ter um carro para usar duas horas por dia. A mesma coisa quando você compra um apartamento com uma cozinha gourmet que você compartilha com outras 500 pessoas do condomínio. Porque não faz sentido você ter todos os bens. E a tecnologia permite isso. Não é ruim, mas é uma mudança”.



Tempos de crise


Organizados pela internet, motorista brasileiros do Uber em parte denunciam condições precárias (“estamos pagando para trabalhar”), mas também consideram que, em época de crise, ganhar pouco pode ser melhor do que não ter nenhuma renda. É o que o estudante universitário Eduardo Marques dos Santos levou em conta. Nesta segunda-feira (28), ele deu entrada na papelada para dirigir um carro do Uber, já sabendo que os valores pagos em Curitiba, pelo UberX, não são altos. Mas vê no trabalho como motorista a chance de custear o financiamento de sua faculdade e de seu veículo.


O administrador Gustavo Schröder vê com outros olhos. Ele ingressou no Uber depois de perder o emprego na sua área. No primeiro dia fez, em média, R$ 9 por hora, menos do que os R$ 11 que ganhava como advogado. “Depois a conta piorou, meu lucro por hora ficou em R$ 8, só descontando a gasolina, sem incluir despesas com balinhas, água, desvalorizçaão e manutenção [do veículo]”.


Para Schröder, a gota d’água foi sofrer retaliação de taxistas. Ele conta que aceitou uma corrida às 2h50, na última quarta-feira (23), e ao chegar lá viu que se tratava de “uma emboscada”. “Consegui fugir, mas furei sinais vermelhos, quase bati o carro em outro que passava. A partir deste dia, eu não dirigi mais”.


Um motorista de Belo Horizonte, que não quis se identificar, conta que organizou a paralisação na capital mineira, onde a situação está “horrível”. Além da redução da tarifa, ocorrida em novembro, a entrada de muitos carros novos no serviço reduziu o lucro pela metade, conta. “Não saio porque não tenho outa forma de me sustentar. Perdi meu emprego em janeiro (...). Paramos hoje porque eles tiraram os 15% do preço, mas nos 25% deles não mexeram”, reclama, em referência à taxa de administração do sistema cobrada pela modalidade UberX. No UberBlack, versão de luxo, 20% do valor da corrida fica com o aplicativo.


O Uber também reduziu suas tarifas na América do Norte, onde enfrenta a concorrência de outros aplicativos, como o Lyft. Segundo a agência de notícias econômicas Bloomberg, o corte atingiu mais de 100 cidades dos Estados Unidos e do Canadá, e varia entre 10% e 45%. Em Nova York, onde a redução foi de 15%, houve protesto de motoristas no aeroporto de LaGuardia. Segundo a NewYorker, as palavras de ordem variavam entre “vergonha” e “quem trabalha para o Uber é escravo”, entre outras.



Fonte: Gazeta do Povo, 29 de março de 2016; fetraconspar.org.br