O ex-ministro Gilberto Carvalho disse que existe medo de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concorra à Presidência da República em 2018. A declaração foi dada ao comentar os rumos da Operação Zelotes, que investiga suposto esquema de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e suposto esquema de compra de medidas provisórias nos governos Lula e Dilma Rousseff em favor da indústria automobilística. As MPs concederam benefícios fiscais a montadoras.

Carvalho foi chefe de gabinete de Lula entre 2004 e 2010 e ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência no primeiro mandato de Dilma. "Não há dúvida de que há uma politização [da investigação]. Não há dúvida de que o presidente Lula virou alvo preferencial. Há um medo do presidente Lula, medo de que ele volte em 2018. Há uma vontade deliberada de tentar destruir esse projeto que ajudou a mudar o país", disse Carvalho a jornalistas, após prestar depoimento como testemunha de defesa do lobista Alexandre Paes dos Santos, o "APS", um dos 15 réus da Zelotes.
 

O grupo de acusados, que envolve ex-conselheiros do Carf, teria intercedido em prol de montadoras na tramitação de ao menos três MP que beneficiam o setor. A investigação gerou a primeira denúncia da Zelotes, em novembro, e agora os réus apresentam testemunhas de defesa. O MPF não apresentou testemunhas de acusação.
 

Carvalho afirmou que "provavelmente centenas de empresários" tiveram acesso ao seu gabinete com demandas para Lula e, além de empresários, recebeu integrantes de movimentos sociais e trabalhistas, como lixeiros e indígenas. "A função de chefe de gabinete é fazer uma espécie de coordenação geral da agenda presidencial, de receber as pessoas que desejam ter acesso ao presidente", disse Carvalho. "Minha vida era ter a porta aberta atendendo pessoas."
 

Ele disse que conheceu Mauro Marcondes - ex-dirigente da Anfavea, associação das montadoras, apontado como lobista pela Zelotes e preso desde outubro - quando trabalhava no Planalto; que se reuniram três vezes; que Lula o conhecia da época de sindicalista; e que nunca recebeu proposta ilícita de Marcondes. Segundo ele houve uma reunião entre Lula e Marcondes, conjunta com representantes da Anfavea, em 2009. "Para nós ele [Marcondes] era um representante da indústria automobilística."
 

Os incentivos à indústria automobilística tiveram grande importância durante o governo Lula. "Dada a importância do setor automobilístico no Brasil, essa coisa do estímulo ao setor era, digamos, a alma do presidente Lula. Ele sempre teve muita preocupação com isso", disse Carvalho.
 

O ex-ministro negou que o Executivo tenha participado de qualquer negociação ou irregularidade na formulação das MP e defendeu seus benefícios para a economia.
 

Outro depoimento esperado ontem era o do secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dyogo de Oliveira, também convocado por APS. Ele disse que não é normal empresas terem acesso ao documento final de medidas provisórias antes da promulgação da lei. Os investigadores da Zelotes suspeitam que lobistas que atuavam em prol de montadoras tenham conseguido alterar o texto da MP 471/2009 antes que ela fosse assinada por Lula e publicada no "Diário Oficial da União".
 

Oliveira foi questionado se seria normal que uma empresa supostamente tivesse acesso ao texto final da MP. "O fato de ter havido esse acesso não é normal nesse estágio, entre a saída dos ministérios e a publicação. Realmente não é situação normal", respondeu. Indagado se o acesso configuraria fato ilícito, disse que não saberia dizer.
 

Antes, ele já havia falado sobre o acesso de empresas a MP dos setores em que atuam. "O que às vezes acontece, não raro, é quando documentos em elaboração são colocados em consulta pública. Não se trata com sigilo absoluto, uma vez que você precisa, enquanto discute a medida, avaliar os impactos que terá na operação efetiva do setor", disse. "No caso que colocamos como exigência o investimento de um percentual do incentivo em desenvolvimento, isso foi objeto de discussão com o setor."
 

Lula também havia sido arrolado por APS para testemunhar, mas na sexta-feira os advogados do lobista desistiram da convocação.
 

Procurador da Zelotes, Frederico Paiva disse a jornalistas não ter entendido os motivos de Lula ter prestado depoimento à PF, uma vez que ele não é investigado. Lula depôs em 6 de janeiro sobre o suposto esquema das MP e sobre pagamento de R$ 2,5 milhões que a LFT Marketing Esportivo, de seu filho Luís Cláudio, recebeu do escritório Marcondes & Mautoni.
 

"Não entendi o motivo de o delegado ter ouvido o Lula neste caso", disse. Depois acrescentou: "Não é não ter entendido o motivo. Ele [Lula] não consta no rol de investigados. Em nenhum momento existe ato praticado por ele que tenha sido objeto [de investigação]".
 

Paiva foi então questionado sobre o que a PF queria saber de Lula: "Tem que perguntar ao delegado, não para mim." Ele disse ainda que "em nenhum momento" a denúncia relata que houve compra de MP por parte da Presidência.
 

Gilberto Carvalho e Dyogo de Oliveira foram apontados como supostos elos da quadrilha no poder Executivo e tiveram os sigilos fiscal e bancário quebrados a pedido dos procuradores em outro inquérito da Zelotes - não na investigação que gerou a denúncia e as audiências desta semana. Ambos negam as acusações. O procurador Frederico Paiva disse que o material gerado nas quebras dos sigilos ainda não foi analisado.
 

Ontem, a Justiça ouviu sete testemunhas de três réus. Os depoimentos seguem hoje e amanhã.
 


Fonte: Valor, 26 de janeiro de 2016fetraconspar.org.br