TATIANA FREITAS
DE SÃO PAULO

 
 

A retirada de impostos às exportações de produtos agropecuários na Argentina deve afetar agricultores e pecuaristas brasileiros no médio e no longo prazo.

Embora o país vizinho tenha estoques elevados de grãos, analistas afirmam que as vendas argentinas nesta safra não serão tão significativas a ponto de mudar o atual cenário de oferta e de preços. A medida, no entanto, vai incentivar os argentinos a investir mais no campo nas próximas temporadas e apresentar uma concorrência mais acirrada com o Brasil.

Um dos setores mais afetados pela mudança na política argentina é o de trigo. O Brasil precisa importar cerca de metade do que consome e, historicamente, quase a totalidade vinha da Argentina. Com a restrição na oferta do vizinho, devido à taxação sobre os embarques, o Brasil foi obrigado a buscar o cereal em outros mercados, como os Estados Unidos.

Já no mercado interno, houve um estímulo para elevar a produção, segundo Élcio Bento, analista da consultoria Safras & Mercado. "Agora, o produtor vai sofrer com a volta da concorrência argentina", diz.

Já os moinhos brasileiros, que importam o trigo, serão beneficiados por um aumento na oferta do cereal da Argentina, que está mais perto do Brasil em comparação com os fornecedores da América do Norte e produz um produto de boa qualidade.

No caso da carne bovina, que também terá isenção de impostos sobre as exportações, a relação entre os dois países é de rivalidade. Enquanto as exportações brasileiras bateram recorde nos últimos anos, as vendas externas da Argentina minguaram. A consequência foi uma queda progressiva do rebanho argentino, o que limitará a reação dos embarques de carne do vizinho no curto prazo.

Segundo dados da Informa Economics FNP, o rebanho bovino na Argentina passou de 56 milhões de cabeças em 2010 para 51 milhões de cabeças, aproximadamente, em 2014. O rebanho brasileiro, no mesmo período, avançou de 175 milhões para 210 milhões de cabeças.

"O mundo cresceu e a pecuária argentina andou para trás. Agora, o país terá de enfrentar um lento processo de recomposição. Os efeitos dessa medida começarão a ser vistos apenas em três ou quatro anos, com mais investimentos, retenção de matrizes e aumento da produção de bezerros, que, no médio prazo, poderão ser abatidos ", afirma José Vicente Ferraz, da Informa Economics FNP.

Brasil e Argentina também são concorrentes no mercado de soja. Mas, neste caso, o anúncio do governo argentino deve ter um impacto mais modesto -o percentual cobrado sobre a venda da oleaginosa passará de 35% para 30% do faturamento com a exportação.

A medida deve incentivar a liquidação de contratos no curto prazo, mas, como não há uma mudança drástica no cenário e os preços do produto no mercado internacional não estão atrativos, não deve ocorrer uma queima de estoque, na avaliação de José Augusto de Castro, presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil).

Castro, da AEB, também destaca um efeito indireto do fim da taxação sobre os produtos agropecuários. À medida que os contratos sejam liquidados, mais dólares circularão na Argentina e possibilitarão aumento nas compras de produtos manufaturados do Brasil. 

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 Fonte: Folha de S.Paulo, 14 de dezembro de 2015; fetraconspar.org.br