Com a "benção" do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, bancada BBB retira do limbo projetos contrários aos interesses de mulheres, indígenas e LGBTs



A eleição de centenas de parlamentares conservadores, somada à crise política que praticamente paralisa o governo Dilma Rousseff (PT), abriu caminho para o fortalecimento, no Congresso Nacional, de um bloco que ultrapassa as colorações partidárias. Trata-se da chamada bancada BBB (do Boi, da Bíblia e da Bala), que reúne, em torno de uma agenda comum, ruralistas, evangélicos e deputados financiados pela indústria armamentista. 

Com a "benção" do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o grupo vem tirando do limbo matérias contrárias aos interesses de jovens, mulheres, indígenas e LGBTs (sigla utilizada para se referir a lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Foi assim, por exemplo, na votação, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171, reduzindo a maioridade penal, que estava parada na Casa desde 1993. Insatisfeito com a rejeição, a priori, da medida, Cunha recolocou o tema em discussão 24 horas depois, obtendo assim o apoio necessário para aprovação em primeiro turno. 

O próprio peemedebista, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, é o autor dos projetos de lei 5069/2013, que dificulta o aborto legal; 7382/2010, que penaliza a suposta discriminação contra heterossexuais, e 1672/2011, instituindo o Dia do Orgulho Hétero. Defende, ainda, outras iniciativas de "BBBs", como a revogação do Estatuto do Desarmamento (PL 3722/2012), de Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), a "Escola sem Partido", de Erivelton Santana (PSC/BA), e a criação do Estatuto da Família (PL 6583/2013), de Anderson Ferreira (PR/PE). 

O baiano quer dar precedência "aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar" nos aspectos relacionados à moral, à sexualidade e à religião. Há versões semelhantes tramitando nos parlamentos estaduais e municipais, como o PL 748/2015, protocolado pela bancada evangélica da Assembleia Legislativa do Paraná. Já o pernambucano propõe restringir o conceito de família ao núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher. 
As PECs 215/2000, que transfere para o Congresso a competência de demarcação de terras indígenas, hoje sob responsabilidade da União, e 99/2011, que autoriza as igrejas a questionar regras ou leis junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins), também têm boas chances de serem aprovadas em plenário. A primeira foi protocolada por Almir Sá (PPB/RR), enquanto a segunda é de autoria de João Campos (PSDB-GO), o mesmo autor da "cura gay". 

 

BARGANHA


"Há uma espécie de coalizão entre esses vários grupos – ‘apoie a minha proposição, que eu apoio a sua’. Como são discursos que mais ou menos se articulam, fica mais fácil de tramitar e, eventualmente, passar", avalia o cientista político Fabrício Tomio, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para o professor David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), a falta de articulação dos apoiadores de Dilma no Congresso também ajudou a criar um vácuo de liderança. "Essas outras frentes foram então impondo suas demandas e tomando conta." 

Fleischer frisou ainda que os conservadores tiveram acesso a mais recursos nos últimos pleitos para bancar suas campanhas. "Em parte, foram beneficiados também pela política de coligações. Por exemplo, o Fausto Pinato (PRB-SP), que vai dar o parecer no Conselho de Ética (da Câmara) sobre o processo de cassação do Cunha, é um rapaz novato (tem 38 anos), do baixo clero e em primeiro mandato, que foi eleito com 24 mil votos, quando a média em São Paulo foi algo em torno de 300 mil", destaca. 

A antropóloga social Martha Ramírez-Gálvez, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), tem percepção semelhante. Segundo ela, as posturas assumidas tanto por membros do governo como da oposição foram fundamentais para o crescimento desta "onda conservadora" no parlamento. "É algo tão perverso, a ponto de se manter o Cunha para segurar ou acelerar o impeachment da Dilma. Isso é um absurdo sem tamanho. Parece que não importa a questão do direito, e sim a manutenção do poder, a barganha – ‘eu seguro aqui, mas você segura lá’." 

Martha critica, por outro lado, o discurso de políticos como Jair Bolsonaro (PP-RJ), Fernando Francischini (SD-PR) e Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), de que as discussões de gênero seriam uma particularidade do PT, como se viu após a aplicação da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). "Tivemos perdas durante o governo Dilma. Mas, para eles, tudo é PT. Gênero é PT; corrupção é apenas do PT. Essa associação requer uma análise política e sociológica, acerca do que tem significado o acesso ao poder de um metalúrgico e, agora, de uma mulher."

 

Fonte: Folha de Londrina, 16 de novembro de 2015fetraconspar.org.br