Diante do agravamento da crise econômica e do impacto da Operação Lava-Jato no setor de infraestrutura, o governo estuda reduzir as exigências previstas nas privatizações da segunda fase do Programa de Investimento em Logística (PIL 2). Na avaliação da área econômica, embora já exista um interesse genuíno pelos projetos do PIL 2, é preciso fazer ajustes que assegurem um nível mínimo de concorrência. Até agora, o governo recebeu nada menos que 414 Propostas de Manifestação de Interesse (PMIs) para as obras de rodovias e aeroportos e aprovou 316. Mas esses pedidos não asseguram, na prática, a participação desses potenciais investidores nos leilões.
Uma das mudanças em estudo é diminuir a necessidade de investimentos dos grupos que vencerem as concessões de rodovias para a duplicação de estradas antes do início da cobrança de pedágios. Na proposta inicial, as empresas deveriam duplicar até 10% do trecho total num período mínimo de um ano para poder começar a cobrar as tarifas. Mas a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda já propôs à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que o percentual seja reduzido pela metade, para 5%.
— Dadas as circunstâncias econômicas que a gente vive, valeria a pena considerar até que ponto se poderia flexibilizar algumas exigências — afirmou ao GLOBO o secretário de Acompanhamento Econômico, Paulo Corrêa.
A proposta foi apresentada formalmente na audiência pública do edital para a concessão da rodovia BR-476, em Santa Catarina, mas a Seae defende que essa redução valha para todas as 15 rodovias incluídas no PIL 2.
Outra alteração proposta pela secretaria é a redução da exigência de aporte do seguro-garantia durante o processo de construção das rodovias. Uma medida similar foi adotada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para os leilões da 13ª rodada de campos de petróleo, previsto para outubro, tendo em vista o aumento do custo e a restrição de acesso a financiamento em razão da disparada dos juros.
Mesmo com a crise econômica, 50 diferentes grupos empresariais já indicaram vontade de elaborar estudos via propostas de manifestação de interesse para dez projetos de rodovias (no mínimo 20 propostas para cada). Outros 11 grupos manifestaram interesse em relação a quatro aeroportos (dez deles, em relação a todos). Entre os interessados estão ao menos 14 grupos com participação acionária estrangeira. Entre as empresas da Lava-Jato, apenas as concessionárias CCR e Invepar, com sócios envolvidos nas investigações, entraram no páreo para estudar os trechos.
Entre as rodovias, a que mais atraiu interesse até agora é o trecho da BR-101 em Santa Catarina, com 36 pedidos de propostas de manifestação de interesse habilitadas pelo governo federal. Aquela que menos teve pedidos aprovados foi a estrada considerada o maior desafio de engenharia: a BR-364, de Rondônia a Mato Grosso, com 20 pedidos. No caso dos aeroportos, dez grupos manifestaram interesse por Salvador, Fortaleza, Florianópolis e Porto Alegre e uma consultoria conseguiu habilitação para estudar unicamente o aeroporto de Florianópolis.
Segundo o secretário do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Maurício Muniz, o grande número de propostas de manifestação de interesse é uma sinalização importante de que o PIL 2 é um programa atraente para o setor privado. Ele lembrou que uma proposta de manifestação de interesse representa um estudo de viabilidade dos projetos e tem custos para ser elaborada. Apenas a empresa cujo estudo for selecionado para embasar os leilões será ressarcida pelo vencedor da concorrência.
— O autor da proposta de manifestação de interesse sabe que só vai ter retorno se a concessão der certo. Portanto, ele vai apostar em projetos que tenham atratividade — afirmou Muniz.
Para o secretário Paulo Corrêa, a demanda mostra que o governo está agindo no caminho certo:
— Não chega a ser uma surpresa porque foi feito um esforço nessa direção. São aeroportos em funcionamento e duplicação de rodovias. São bons ativos. As taxas internas de retorno foram bem recebidas pelo mercado. O programa foi feito para ser market friendly. É uma primeira demonstração de que a gente está no caminho certo.
Corrêa e Muniz admitem que os efeitos da Lava-Jato podem afetar a capacidade das grandes empreiteiras de competirem pelas obras do PIL 2, mas lembram que isso abriu oportunidades para a entrada de novos competidores no mercado, inclusive estrangeiros. Empresas de cinco países (Reino Unido, Espanha, França, Estados Unidos e Argentina) apresentaram propostas de manifestação de interesse para os aeroportos, por exemplo.
Foram apresentadas cem propostas de manifestação de interesse pelos terminais, sendo a maioria para Fortaleza e Salvador, e 41 foram aceitas. No caso das rodovias, a maior demanda foi pelo trecho de Santa Catarina na BR-101.
— Como esse exemplo (das propostas de manifestação de interesse) mostrou, vão surgir outras empresas (além daquelas envolvidas na Lava-Jato) interessadas nesses leilões. O lado bom, se é que tem, é que vai haver muita oportunidade para novos entrantes, sejam internacionais, sejam domésticos, por pequenas que se juntam ou crescem. Não vai acontecer da noite para o dia, mas à medida que essas oportunidades estejam bem claras, vão começar a perceber a oportunidade, inclusive na área de construção — lembrou Paulo Corrêa, reforçando ainda: — Na medida em que seja bom para o país facilitar ainda mais a entrada de empreendedores estrangeiros, essas medidas (de alteração dos editais) podem ser consideradas para promover mais concorrência nesse setor.
Os integrantes do governo sabem, porém, que a indicação de manifestação de interesse das empresas neste momento não implica, necessariamente, participação até o fim do processo e que muitas só oferecerão projetos ou serviços de consultoria, sem previsão de atuação nos leilões.
A Strata, consultoria que está habilitada a oferecer cinco estudos, reconhece que só poderá fazê-los integralmente se contar com novos investidores, segundo informou o gerente comercial Bernard de Assis Granja Campos. A Toniolo Busnello, que já atua em concessões de rodovias e se propôs a estudar a estrada do Rio Grande do Sul, também prevê uma análise criteriosa a partir dos estudos para, junto com eventuais parceiros, decidir sobre a viabilidade do negócio.
— Por enquanto, tivemos apenas um enunciado com a decisão política de se fazer as concessões. Agora é que entra a engenharia, quando vamos avaliar as oportunidades — disse Humberto Busnello, sócio-diretor da construtora.
FONTE: O Globo, 10 de agosto de 2015; fetraconspar.org.br