"Pensadores contestam o conceito de “nova classe média” e propõem o uso de “nova classe trabalhadora”, como mais fiel aos fatos e à verdadeira posição desse extrato na pirâmide social", escreve Gabriel Priolli, jornalista, em artigo publicado no seu blog, 30-12-2013.
Eis o artigo.
Sempre achei meio forçada a ideia de que o processo de inclusão social, promovido sobretudo pelos governos Lula eDilma, produziu uma “nova classe média” no país. Ela faz todo sentido do ponto de vista publicitário e entendo perfeitamente porque foi adotada no discurso oficial. É mais lucrativo, eleitoralmente, vender ascensão social do que a simples melhoria das condições de vida.
Mas sempre me pareceu que o que se produziu nos últimos 13 anos foi, antes de mais nada, a expansão do poder de consumo, o acesso a programas públicos e a inclusão da classe trabalhadora – aquela que esteve por longos anos na prática e no discurso do PT, e que entrou em certo desuso, quando prevaleceu a nova designação “marquetada”.
Alguns pensadores sociais dão substância ao meu desconforto. Também eles contestam o conceito de “nova classe média” e propõem o uso de “nova classe trabalhadora”, como mais fiel aos fatos e à verdadeira posição desse extrato na pirâmide social. Já tinha lido a filósofa Marilena Chauí a respeito, agora conheço a posição do sociólogo Jessé de Souza, sociólogo.
Marilena Chauí
“Não há uma nova classe média e sim a velha classe média, que cresceu, prosperou e está aí”, diz Chauí em entrevista a Juvenal Savian Filho na revista Cult de agosto último, coletada pela revista Samuel. “O que surgiu no Brasil com os programas sociais que tiraram 40 milhões de pessoas da linha da miséria (garantindo-lhes três refeições diárias, moradia e ensino fundamental) é uma nova classe trabalhadora. Não faz sentido usar os intrumentos dos institutos de pesquisa e da sociologia, falando de classe A, B, C, D, E, definidas por renda e escolaridade. É preciso pensar nas classes sociais conforme sua relação com a forma da propriedade e os sistemas de produção, isto é, os proprietários privados dos meios sociais de produção e os não-proprietários, isto é, a força produtiva, os trabalhadores”.
“Situada fora do poder econômico (do capital) e da organização social (dos trabalhadores) está a classe média, que sonha com aquele poder e tem como pesadelo ‘cair’ na classe trabalhadora”, prossegue a filósofa. “Esse critério nos permite compreender que o que surgiu no Brasil com os programas sociais foi uma nova classe trabalhadora, mas que surge no momento em que vigora o capitalismo neoliberal. Então, ela é precarizada, fragmentada, não possui formas de organização e de referência que lhe permitam ter clara identidade, nem formas de expressão no espaço público. Por isso é atraída pelas ideologias de classe média, como a ‘teologia da prosperidade’ (do pentecostalismo) e a do ‘empreendedorismo” (dos chamados microempresários)”.
Jessé de Souza
Hoje li a entrevista de Jessé de Souza a Thais Arbex, no Estadão. Ele também prefere conceituar a suposta nova classe média como “classe trabalhadora precária” e acredita que ela será o fiel da balança na eleição presidencial do próximo ano.
“O Brasil, como outras sociedades modernas desiguais, é dividido entre classes sociais que reproduzem privilégios injustos”, diz. “De um lado, os endinheirados e a classe média, que ocupam todos os empregos de prestígio. De outro, as classes condenadas a reproduzir sua exclusão e humilhação cotidianas, como a classe trabalhadora precária, chamada erroneamente de nova classe média; e os excluídos, que chamo provocativamente de ralé.”
O sociólogo avalia que as relações entre as classes nunca são percebidas no Brasil. “Se as relações fossem notadas, estariam arruinadas as chances de os privilégios se reproduzirem. Para parecer legítimo, o privilégio tem de ser mascarado como de interesse geral. E é justamente por isso que a ideologia de grande parte da classe média brasileira mais conservadora é o combate à corrupção no Estado – como se não houvesse corrupção no mercado – onde, cotidianamente, a classe média explora o trabalho barato da ralé e a condena à humilhação eterna.”
A nova classe trabalhadora, na visão de Souza, pode determinar os rumos políticos do país. “Essa classe – que chamo de batalhadores – oscila entre apoiar e se solidarizar com a classe abaixo dela, os excluídos da ralé, e assumir um discurso mais mercantil e atrelado aos interesses das classes privilegiadas. Quem conseguir conquistar essa classe provavelmente ganha a eleição.”
Dilma já tem mais de meio caminho andado nessa conquista. Resta ver se Aécio ou Eduardo conseguirão tirar o atraso. Em todo caso, qualquer um deles estará tentando seduzir uma imensidão de gente que ainda está no “limbo”, quanto à verdadeira condição de classe. Já não é o que era, mas ainda não é o que quer ser.
Fonte: IHU; fetraconspar.org.br