Na verdade, ele (o quintal dos Estados Unidos) agora fica do outro lado do Atlântico, de onde estou escrevendo. Comprova esta mudança de eixo no quintal a subserviência com que alguns países europeus trataram o caso Snowden no incidente envolvendo o avião presidencial boliviano. Outra prova disto é a comparação entre a reação firme do governo brasileiro diante da denúncia de espionagem e a tibieza da reação do governo alemão.
A chanceler Angela Merkel se mostrou preocupada diante da possibilidade de violação da privacidade dos cidadãos alemães, e despachou emissários para Washington pedindo explicações. Estes emissários voltaram completamente enrolados nas explicações norte-americanas, dizendo que ninguém tinha nada a temer, que não havia espionagem comercial ou industrial (o caso Petrobras desmente isto). E tudo ficou por isto mesmo.
A mídia internacional destacou a firmeza do Brasil e de sua presidenta. Não só a mídia: vários analistas acadêmicos, think tankers etc. foram claros em afirmar que o perdedor no episódio é o governo norte-americano, que sai duplamente chamuscado: pela espionagem em si e pelo estremecimento (não houve ruptura, evidentemente) das relações com seu principal parceiro abaixo do Rio Bravo (num momento em que cresce a presença chinesa na América do Sul, em várias frentes).
O governo norte-americano bem que tentou minimizar o golpe, embora o tenha acusado. Declarou que a suspensão da visita fora feita “de comum acordo”, e que o encontro oficial entre a presidenta Dilma e o presidente Obama não poderia ficar “prisioneira” de um único ítem ou incidente. Avaliou também positivamente o adiamento, pois a resolução do problema da espionagem, com novos protocolos, etc. levará meses.
Na verdade o governo de Obama está numa sinuca de bico, pois não pode fazer movimento algum que desautorize o seu serviço de espionagem num momento em que necessita reforçar a credibilidade deste por causa da questão síria – diante da Rússia, dos parceiros europeus, no Conselho de Segurança da ONU, até diante do Papa.
Outro ponto marcado pelo governo brasileiro é que a reação das vozes das oposições brasileiras, do tipo “me espiona que eu gosto”, sob a retórica da “responsabilidade pragmática” nas relações internacionais, foi vagamente citada na mídia internacional, mas sem o menor tom de esforço ou mesmo de alguma importância. Ninguém deu bola para esta conversa. O que ficou ressaltado foi mesmo a firmeza da presidenta, comprovando que o Brasil – ou pelo menos parte dele – superou o complexo de Piu-Piu (aquele passarinho do Frajola e sua turma) diante da águia norte-americana. Embora haja ainda muita gente no Brasil que ache que ser vira-lata no cenário internacional seja uma vantagem.
FONTE: Rede Brasil Atual, 19 de setembro de 2013; fetraconspar.org.br